Mapeando os homicídios no Rio de Janeiro

O ano de 2015 conseguiu trazer uma boa notícia para o Rio de Janeiro: menos pessoas foram mortas no estado. Um estado que perde 5000 vidas por ano ou 15 por dia de forma violenta está longe de poder acenar para níveis de segurança satisfatórios, mas não se pode deixar de destacar que os números registrados em 2015 indicam que 3000 pessoas a menos morreram no ano se compararmos com os níveis de dez anos atrás.

Entender os fatores que contribuem para a redução de homicídios é um dos pontos mais importantes na análise de segurança pública, visto que a preservação da vida humana deve ser o objetivo primordial das políticas de segurança. Na busca por entender a dimensão e complexidade do problema, o primeiro passo é contabilizar corretamente o número de vidas perdidas, algo que o estado do Rio de Janeiro reconhecidamente realiza através da Polícia Civil, do Instituto de Segurança Pública e da Secretaria de Estado de Saúde e Defesa Civil. O segundo passo é entender quem são as vítimas e onde e quando elas morrem. Com esse objetivo, o Instituto de Segurança Pública passou a disponibilizar no seu sítio uma ferramenta de consulta interativa com essas informações sobre todas as vítimas de letalidade violenta que morreram no estado do Rio de Janeiro em 2014 e 2015 (https://public.tableau.com/views/LV2014-20153/Resumo?:embed=y&:display_count=yes&:showTabs=y). Essa análise permite identificar que os homicídios dolosos (quando há intenção de matar) representaram 84% das mortes violentas no estado em 2015, enquanto os homicídios decorrentes de oposição à intervenção policial, 13% dos casos. A maioria das vítimas são pardas, jovens, homens e morrem sobretudo à noite e nos finais de semana, nos bairros mais pobres da Região Metropolitana. É possível constatar ainda que 71% das vítimas são vitimadas por arma de fogo. O interessante da interatividade da ferramenta é poder cruzar essas informações e analisar o padrão por cada área de batalhão ou delegacia.

A ferramenta conta ainda com uma informação bastante preciosa para a análise criminal: a identificação do local específico onde a vítima morreu. Essa informação é crucial, visto que o crime é muito concentrado no espaço. No caso da letalidade violenta, podemos identificar com base nessa informação que todas as pessoas que morreram no estado do Rio de Janeiro em 2015 foram vitimadas em 9% do espaço urbano, o que demonstra o potencial em se ter uma política de prevenção focada nas áreas de alta incidência.[1]

A disponibilização dessas informações coloca o Rio de Janeiro numa posição de liderança na promoção da transparência. Mas, para se continuar reduzindo o número de vidas que são perdidas no Rio de Janeiro todo ano, há ainda muito que precisa ser feito. O fato é que ainda conhecemos muito pouco os fatores que levam a reduções e aumentos nas taxas de homicídios. Existem muitos diagnósticos que buscam levantar fatores associados à letalidade violenta, sejam eles a presença de grupos criminosos armados, o comércio de drogas, a disponibilidade de armas de fogo e o acúmulo de vulnerabilidades sociais. Entretanto, muitos desses fatores sofrem poucas variações entre os anos e não conseguem explicar as variações expressivas que o estado registrou na taxa de homicídios nos últimos cinco anos.

A política de pacificação do Rio de Janeiro é muito citada como política de sucesso de reduções de letalidade e a única que comprovadamente teve sua eficácia verificada. Três pesquisas distintas conduzidas em centros de pesquisa de alto prestígio demonstram o sucesso da política em reduzir o número de mortes violentas nas áreas pacificadas e em seu entorno.[2] Entretanto, há outras iniciativas que foram empreendidas no estado que ainda são pouco estudadas, como a criação do Sistema Integrado de Metas e das delegacias especializadas da Polícia Civil para investigação de homicídios. Há várias evidências sugestivas que indicam que essas políticas foram muito importantes para impor maior eficiência ao trabalho policial, mas tipicamente poucas pesquisas são dedicadas a entender como o trabalho das polícias altera a dinâmica de homicídios. A ausência dessa informação põe em risco a sustentabilidade de iniciativas exitosas, que, ao não serem documentadas, correm um grande risco de serem extintas com mudanças de governo. Espera-se que a disponibilização de informação ajude a aumentar o interesse pelo tema e que, com isso, possa-se evitar a morte de mais pessoas.

 

[1] Estimativa baseada no georeferenciamento dos registros de homicídios e na divisão do estado em 9.941 células de 300 x 300 m em que há ocupação urbana. Do total de 9.941 células, apenas 884 registraram casos de homicídio.

[2] Cano, I. (Brasil) (Org.). Os Donos do Morro: uma avaliação exploratória do impacto das Unidades de Polícia de Pacificação (UPPs) no Rio de Janeiro. Maio, 2012. Disponível em:<http://www.lav.uerj.br/docs/rel/2012/RelatUPP.pdf&gt;.

Magaloni, B.; Melo, V.; Fraco, E. Killing in the Slums: An Impact Evaluation of Police Reform in Rio de Janeiro. CDDRL Working Papers, page(s): 53, December 2015.

Ferraz, C.; Monteiro, J.; Ottoni, B. State Presence and Urban Violence: Evidence from Rio de Janeiro. March, 2016.

 

 

Os Embaixadores do Narcosul

Essa semana o jornal Extra do Rio de Janeiro publicou uma série de reportagens sobre as redes de narcotráfico no Brasil, intitulada “Os Embaixadores do Narcosul: os traficantes que operam o maior bloco de drogas do mundo”, que se baseia em seis meses de investigação jornalística.

A primeira reportagem da série afirma que os traficantes da Bolívia, Brasil, Paraguai e Peru constituíram, nos últimos 14 anos, a mais poderosa e coesa aliança para a exportação de drogas no mundo, capaz de movimentar R$ 21 bilhões por ano e empregar 30 mil pessoas. O link mostra detalhes de como o jornal chegou às estimativas de movimentação financeira.

Cada país tem um papel central no chamado Narcosul. Peru e Bolívia são os dois maiores produtores mundiais de cocaína, pasta base e outros derivados da folha de coca. O Paraguai lidera o cultivo de maconha na região. O Brasil é ao mesmo tempo o segundo no ranking mundial de consumo de cocaína e derivados e o principal entreposto para a Europa e a África. Mas, segundo o Extra, todos eles compartilham os três elementos essenciais que permitem a operação da rede de drogas:corrupção de agentes públicos, a ausência do Estado nas fronteiras e a falta de cooperação efetiva entre os sistemas judiciais.

Figura 1 – As Rotas do Narcosul

A série de reportagens mostra um ponto muito interessante. Pelo menos três dos sete traficantes apontados como os embaixadores do crime na América do Sul exercem esse poder apesar de estarem presos. O traficante Pavão, preso na capital do Paraguai, opera sua rede de tráfico através de sua cela, que mais parece um gabinete equipado com computadores e televisão. Marcola, o, atual chefe do Primeiro Comando da Capital (PCC), controla de dentro do presídio paulista de Presidente Prudente a única facção brasileira que tem atuação nacional e atividades em expansão nos países vizinhos.

O estudo “A Hole at the Center of the State: Prison Gangs and the Limits of Punitive Power”, de Benjamim Lessing, professor da Universidade de Chicago, mostra que esse excesso de poderes dentro das prisões não é um fenômeno único do Brasil e do Paraguai.  Há exemplos de facções organizadas de dentro de prisões e que comandam redes criminosas também nos Estados Unidos e na América Central. Lessing defende que o fortalecimento dessas facções que operam nas prisões ocorreu em conjunto com o aumento da população prisional desses países e apresenta um argumento para essa correlação: o aumento da probabilidade de ser preso torna mais importante para um criminoso se associar a uma facção, dado que as facções costumam oferecer proteção dentro das prisões.

A tese de Lessing e o exemplo de Marcola e Pavão mostram que combater o tráfico deixou de ser apenas uma questão de prender traficantes. Enquanto prisão não significar a incapacitação desses criminosos, não há como esperar que a polícia reduza o poder do tráfico.

Reportagens relacionadas:

Ainda sobre a redução da violência em São Paulo

No meu último post, escrevi sobre a influência da demografia na redução da violência em São Paulo. Entretanto, a demografia não foi a única coisa que mudou em São Paulo nos últimos 20 anos, nem é o único fator apontado por especialistas como causas da redução da violência no estado. Também contribuíram: a redução de fatores de risco e as melhoras na gestão da polícia.

Dentre as medidas para reduzir fatores de risco, destacam-se:

A campanha do desarmamento. São Paulo implementou pioneiramente uma campanha do desarmamento em 1997, exigindo recadastramento de armas, aumentando o rigor na concessão de novas licenças e aumentando a apreensão de armas. Além disso, o estado foi destaque na campanha nacional de desarmamento iniciada em 2004, após a aprovação do estatuto do desarmamento. O estudo “Menos Armas, Menos Crimes” de Daniel Cerqueira e João De Mello estima que para cada 1% de redução nas armas em circulação no estado de São Paulo devido ao estatuto do desarmamento, houve uma redução média de 2% na taxa de homicídios.

Lei Seca. Entre 2001 e 2004, vigorou em 16 municípios da região metropolitana de São Paulo uma Lei Seca que determinava o fechamento de bares entre 11 da noite e 6 da manhã, com o objetivo de limitar a venda e consumo de álcool. O estudo “Dry Laws and Homicides: evidence from the São Paulo Metropolitan Area” de Ciro Biderman, João De Mello e Alexandre Schneider estima que a Lei Seca contribuiu para uma queda de 10% dos homicídios na região metropolitana de São Paulo.

O estado também liderou inúmeras inovações na área de segurança pública. Tulio Kahn lista inúmeras medidas que o estado implementou no livro “É Possível. Gestão de Segurança Pública e Redução da Violência em São Paulo”, organizado por Fernando Veloso e Sérgio Ferreira.  Dentre as medidas que ele descreve, destacam-se as inovações tecnológicas e gerenciais. As primeiras são no sentido de aumentar a qualidade da informação que polícia possui sobre crimes e criminosos. Neste grupo, Tulio ressalta a criação de três ferramentas:

  • O Copom-online, que é um sistema que permite disponibilizar em tempo real informações sobre a dinâmica da criminalidade em mapas, permitindo que os comandantes realoquem policiais de acordo com as demandas do momento.
  • O Infocrim, que centraliza dados sobre crime e permite a identificação geográfica de manchas criminais, por tipo de crime, dia e hora.
  • O Fotocrim, um cadastro de mais de 300 mil criminosos procurados, cumprindo pena ou presos em flagrante, permitindo a identificação fotográfica, modus operandi e região de atuação dos suspeitos de crimes e facções criminosas.

Tulio Kahn lista muitas outras medidas em seu blog, mas acredita que essas ferramentas não teriam sido bem utilizadas se não tivesse havido o segundo conjunto central de inovações, que envolvem a gestão da polícia. Nesse grupo, inclui-se a adoção de critérios técnicos e padronizados nas operações policiais; e a organização de reuniões periódicas nas quais os principais gestores da polícia se reúnem para verificar as grandes tendências de criminalidade em cada região do estado. Em certa medida, essas reformas seguem o modelo do Compstat, implementado pioneiramente em Nova Iorque, e que busca uma gestão por resultados, que se baseia fortemente em informações e dados para orientar a ação da polícia.

Com tantas mudanças implementadas ao mesmo tempo, é muito difícil identificar a contribuição de cada uma delas na redução da violência em São Paulo. Mas o número de inovações listadas acima no mínimo sugere que a polícia não ficou parada observando a queda da violência no estado. De todo modo, a experiência de São Paulo exemplifica a mensagem do livro do Fernando Veloso e do Sergio Guimarães: é possível reduzir a violência usando de forma mais eficiente os recursos existentes.

O que explica a redução da violência em São Paulo?

O estado de São Paulo teve uma melhora expressiva nos seus indicadores de segurança nos últimos 15 anos. O Gráfico 1 mostra a evolução da taxa de homicídios do estado. Em 2011, a taxa de homicídios foi de 14 homicídios por 100 mil habitantes, um terço do valor de 1999, que foi o mais alto registrado nos últimos 20 anos. O que explica tamanho sucesso na redução de violência em São Paulo? Inúmeros estudos buscam responder a essa pergunta e de forma geral apontam para dois conjuntos de fatores: mudanças na estrutura demográfica e a combinação de uma série de políticas públicas na área de segurança.

Gráfico 1 – Evolução da Taxa de Homicídios – Brasil e São Paulo

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 Fonte: Datasus, Censo Demográfico e contagem populacional.

A queda na proporção da população jovem é apontada como fator que mais contribuiu para a queda na taxa de homicídios em São Paulo de acordo com o estudo “Mudança Demográfica e a Dinâmica dos Homicídios no Estado de São Paulo“, do João Manoel de Mello e Alexandre Schneider. O ponto central dos autores é que a queda de homicídios no estado de São Paulo acompanha a redução na proporção da população jovem (entre 15 e 24 anos) no estado. O Gráfico 2 mostra como a taxa de homicídios em São Paulo e a proporção da população jovem seguem trajetórias muito similares.

O tamanho da população jovem é tão importante para explicar violência porque essa parcela da população é a que mais comete crimes e é a mais vítima de violência. Dados de 2003 indicam que 45% dos crimes em São Paulo foram cometidos por pessoas dessa faixa etária, enquanto 40% das vítimas de homicídio entre 1996 e 2001 tinham entre 15 e 24 anos.

 Gráfico 2 – Evolução da taxa de homicídios e a demografia em São Paulo

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 Fonte: Datasus, Censo Demográfico e contagem populacional. Dados populacionais de 2001 a 2007 calculados por interpolação dos dados do Censo de 2000 e da contagem populacional de 2007.

A evidência de que a demografia contribuiu muito para a redução de violência em São Paulo não implica necessariamente que ela tenha a mesma importância nas outras regiões do Brasil. De fato, há exemplos, como a Bahia, onde as trajetórias dessas duas variáveis divergem completamente. O Gráfico 3 mostra que a Bahia tem apresentado taxas crescentes de homicídios a despeito da estrutura demográfica ter sido propícia para a redução de homicídios nos anos mais recentes. Mas uma análise sistemática de dados para todos os estados do país feita por um segundo estudo de João de Mello, “Reassessing the Demography Hypothesis: the Great Brazilian Crime Shift”,  revela que o caso de São Paulo é mais representativo do que vem ocorrendo no Brasil. De acordo com o estudo, existe uma relação média bastante expressiva entre demografia e violência e mudanças no tamanho da população jovem são capazes de explicar 60% da variação de taxas de homicídios no Brasil.

Essa análise sugere que a demografia abre janelas de oportunidades para aumento e redução da violência, mas o aproveitamento dessas oportunidades depende do que é feito na área de segurança pública no nível estadual. São Paulo aproveitou essa oportunidade e implementou uma série de inovações na área de segurança pública, conforme vou contar no próximo post. Cabe ao restante do país aproveitar a janela de oportunidade que se abre com a redução da população jovem para reduzir a criminalidade e violência do país.

Gráfico 3 – Evolução da taxa de homicídios e a demografia na Bahia

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Fonte: Datasus, Censo Demográfico e contagem populacional. Dados populacionais de 2001 a 2006 calculados por interpolação dos dados do Censo de 2000 e da contagem populacional de 2007.

Reversão dos Indicadores de Segurança do Rio de Janeiro

O Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro divulgou semana passada os dados de crime e violência referentes ao primeiro trimestre de 2014. O cenário é bastante preocupante: saímos de uma conjuntura onde estávamos diminuindo continuamente a violência para uma em que ela está aumentando, especialmente fora da capital.

O Gráfico 1 mostra a evolução da taxa de homicídios por 100 mil habitantes. A taxa aumentou em 24% na região metropolitana (sem a capital) e 49% nos outros municípios do estado entre o primeiro trimestre de 2013 e 2014. O aumento da violência no interior do estado ocorreu, sobretudo, na região do Norte Fluminense. Campos do Goytacazes, Macaé, Cabo Frio, Rio das Ostras e São João da Barra tiveram mais de 50% de aumento no número de homicídios e respondem juntos por dois terços do aumento de homicídios ocorrido no interior do estado. Na região Metropolitana, Nova Iguaçu, São João de Meriti, Nilópolis e Queimados também tiveram aumentos expressivos, todos de mais de 50%, e responderam por 75% do aumento de homicídios da região metropolitana.

O Gráfico 1 mostra ainda que a trajetória de aumento da taxa de homicídios na região metropolitana e no restante do estado começou em 2012 e fez com que essas regiões voltassem a ter índices de violência semelhantes aos do ano de 2007. Por sua vez, na capital do estado a taxa de homicídios ainda é 45% menor do que era em 2007, a despeito das variações recentes.

Gráfico 1- Evolução da taxa de homicídios

Fonte: Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro

Fonte: Elaboração Própria com dados do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro

O Gráfico 2 mostra que houve também um forte aumento na criminalidade a partir de 2013, medida pelo número de registros de crimes ao patrimônio[1], principalmente na região metropolitana e na capital. No caso da capital, a taxa de crimes ao patrimônio no primeiro trimestre de 2014 foi de 395 registros por 100 mil habitantes, que equivale a 25.411 ocorrências de roubos e furtos em três meses. Esse valor é equivalente ao que foi registrado em meados de 2009 e indica que todos os ganhos obtidos desde então foram revertidos. No caso da região metropolitana, a situação é ainda mais grave. A taxa de crimes ao patrimônio começou a subir mais fortemente em 2012 e hoje é 67% maior do que era em 2007.

Gráfico 2 – Evolução da taxa de crimes ao patrimônio

Fonte: Elaboração Própria com dados do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro

Fonte: Elaboração Própria com dados do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro

A análise dos dados por município revela que não se trata de uma onda de violência em municípios específicos, visto que os municípios que mais tiveram aumento de homicídios não são os mesmos que tiveram os maiores aumentos de crimes ao patrimônio, conforme mostra o Gráfico 3.

Muitas pessoas vão ler esses números e concluir que eles indicam que a política de pacificação do Rio de Janeiro fracassou. Mas não é claro que parcela desse aumento pode ser atribuído ao combate às facções de drogas nas favelas cariocas. Outros fatores como o policiamento ostensivo são muito importantes para explicar variações de crimes ao patrimônio, mas infelizmente não existem estatísticas oficiais que permitam entender sua influência. A notícia recente de que o efetivo policial extra previsto para a Copa será colocado imediatamente nas ruas sugere que a Secretaria de Segurança Pública tem o diagnóstico de que o policiamento ostensivo precisa de reforço. De qualquer forma, os números aqui apresentados indicam que a melhora na Segurança Pública no Rio de Janeiro ocorrida nos últimos anos está ameaçada.

Gráfico 3 – Relação entre crescimento na taxa de crimes ao patrimônio e crescimento na taxa de homicídios

Fonte: Elaboração Própria com dados do Instituto de Segurança Pública. Nota: Cada ponto indica um município do estado. Para facilitar a visualização, omitiu-se do gráfico os três municípios com maior variação de homicídios (São João da Barra, Cachoeiras de Macacu e Nilópolis) e com as maiores variações na taxa de crimes ao patrimônio (São Sebastião do Alto e Carmo).

Fonte: Elaboração Própria com dados do Instituto de Segurança Pública. Nota: Cada ponto indica um município do estado. Para facilitar a visualização, omitiu-se do gráfico os três municípios com maior variação de homicídios (São João da Barra, Cachoeiras de Macacu e Nilópolis) e com as maiores variações na taxa de crimes ao patrimônio (São Sebastião do Alto e Carmo).


[1]Crimes ao patrimônio incluem roubos ao comércio, residência, veículo, carga, transeunte, banco, caixa eletrônico, roubo em coletivo, roubo com condução a saque, furto de veículos, sequestro, extorsão, sequestro relâmpago e estelionato.

O Brasil é hoje um país mais ou menos violento do que há dez anos?

A resposta a essa pergunta depende de que parte do Brasil estamos analisando. Se olharmos para o Brasil como um todo, iremos constatar que pouca coisa mudou nesse período. Em 2011, ano mais recente em que os números de homicídios estão disponíveis no DATASUS, houve 27 homicídios por 100 mil habitantes, valor similar ao de 2001 (28 por 100 mil habitantes).

Entretanto, a média brasileira esconde uma enorme heterogeneidade dentro do país. O Gráfico 1 mostra a evolução da taxa de homicídios para as cinco regiões brasileiras entre 2001 e 2011. A diferença de trajetórias impressiona. A taxa de homicídio na Região Sudeste caiu de 36.7 para 20.4, o que representa uma queda de 44% no período. Com isso, a região Sudeste deixou de ser a mais violenta do Brasil para se tornar a menos violenta. Ao mesmo tempo, todas as demais regiões apresentaram aumento de violência no período, sendo que as regiões Norte e Nordeste tiveram os aumentos mais expressivos. A taxa na Região Norte aumentou de 20 para 35 homicídios por 100 mil habitantes, enquanto a do Nordeste passou para 22 para 36.

Gráfico 1 – Evolução na Taxa de Homicídios nas Regiões Brasileiras

Fonte: DATASUS

Fonte: DATASUS

A Tabela 1 mostra as taxas de homicídio por estado e revela que São Paulo e Rio de Janeiro apresentaram quedas expressivas de violência entre 2001 e 2011 (queda de 66% e 41%, respectivamente). Por outro lado, Bahia e Paraíba viram suas taxas de homicídio aumentar em mais de 200% no período. Chama atenção também o desempenho de Pernambuco, que reduziu a violência, enquanto os estados vizinhos aumentaram.

O que explica tamanha disparidade de trajetórias? O relatório “Por um Brasil mais seguro: uma análise da dinâmica do crime e da violência”, elaborado pelo Banco Mundial, analisa que fatores são mais correlacionados com as variações de violência no nível municipal. O relatório aponta que os municípios que apresentaram maior aumento de homicídios são aqueles que de forma geral tiveram: maior crescimento econômico (medido pelo PIB per capita municipal), aumento da desigualdade de renda, redução na criação de empregos formais, aumento da urbanização, aumento da evasão escolar e aumento da população jovem.

A ideia de que fatores demográficos, sociais e econômicos estão por trás das variações da taxa de homicídios dá a impressão de que não há nada a ser feito em termos de política de segurança. Mas o mesmo relatório que aponta a importância desses fatores chama a atenção de para um fato muito interessante: os estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e suas capitais foram os que mais melhoram seus indicadores de violência e são os que mais inovaram em políticas de segurança pública. O que ocorre é que embora fatores demográficos, sociais e econômicos expliquem uma parte importante da variação de violência, eles não conseguem explicar tudo o que está acontecendo, principalmente quando olhamos para o nível estadual.

Várias iniciativas foram implementadas ao mesmo tempo ou seguidamente em cada um dos estados mais bem-sucedidos na redução de violência, o que torna difícil identificar um único fator que tenha contribuído para a queda de violência. Mas o relatório do Banco Mundial aponta para a importância de quatro tipos de intervenções que foram adotadas nesses estados:

  • O fortalecimento de uma gestão orientada para resultados e da capacidade gerencial da polícia e das secretarias de segurança.
  • A redução da influência de fatores de risco, como a disponibilidade de armas e álcool.
  • O foco em territórios problemáticos e população em risco.
  • A implementação de planos de segurança que envolveram a integração de diferentes órgãos responsáveis pelo segurança pública.

Nos próximos posts vou contar um pouco do que tem sido feito nos estados mais inovadores e a evidência sobre o que tem funcionado.

Tabela 1 – Evolução na Taxa de Homicídios nos Estados Brasileiros

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Fonte: DATASUS

Os Locais Priorizados pela Política de Pacificação

Uma característica central que uma política pública precisa ter para ser efetiva é ser bem focalizada, ou seja, atingir o público que mais necessita dela. Em que medida a Política de Pacificação do Rio de Janeiro é uma política bem focalizada? O objetivo central da política de pacificação é acabar com o controle territorial armado exercido pelo tráfico de drogas em algumas regiões do estado e com as “guerras” entre facções de drogas. Assim, para avaliar sua focalização, precisamos entender se as UPPs foram instaladas nas comunidades mais conflituosas do Rio de Janeiro.

Uma análise de correlação entre a presença de UPPs e as características geográficas e demográficas das comunidades do Rio de Janeiro permite entender se a política de pacificação priorizou comunidades com características específicas. Essa análise indica que a instalação de UPPs priorizou comunidades com maior quantidade de confrontos entre 2003 e 2008, comunidades mais inclinadas, próximas às vias principais da cidade e localizadas em bairros com maior densidade populacional e com maior renda per capita.

O Gráfico 1 e o Mapa 1 ajudam a visualizar esses resultados. O Gráfico 1 apresenta as trinta comunidades que mais sofreram com tiroteios entre 2003 e 2008, de acordo com os dados do Disque-Denúncia e marca em azul as comunidades que já foram beneficiadas com a política de pacificação. Observa-se que as UPPs já estão presentes em treze comunidades dentre as trinta mais conflituosas. Entre elas, Vila Kennedy, localizada em Realengo e ocupada em fevereiro deste ano, o Morro dos Macacos (Vila Isabel), Morro São João (Engenho Novo), as favelas do Complexo do São Carlos (Estácio), e Vila do Pinheiro (Maré). Entretanto, há ainda comunidades muito violentas que ainda não foram pacificadas, como é o caso do Morro do Juramento (Vicente de Carvalho), Conjunto Fumacê (Realengo), Morro do Moquiço (Deodoro) e Morro do Urubu (Piedade).

Gráfico 1 – As trinta comunidades mais conflituosas do município do Rio de Janeiro conforme o número de dias com denúncias entre 2003 e 2008.

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Fonte: Elaboração própria com base em dados do Disque-Denúncia

O Mapa 1 mostra a localização das comunidades dos Rio de Janeiro e marca os locais já pacificados. A simples visualização deste mapa mostra um outro resultado: as UPPs estão mais presentes em regiões de maior renda per capita, que é o caso da Zona Sul, centro e parte sul da zona Norte do Rio. Cabe frisar, entretanto, que importantes favelas da zona Norte já foram ocupadas, com destaque para o Complexo do Alemão, Complexo do Lins e, mais recentemente, o Complexo da Maré e a Vila Kennedy.

Mapa 1 – A distribuição geográfica das comunidades do Rio de Janeiro e as comunidades beneficiadas pela política de pacificação (em amarelo).

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Esses resultados indicam que a política de pacificação tem priorizado comunidades  problemáticas do ponto de vista da incidência de confrontos, mas até agora o fez principalmente nas áreas mais abastadas da cidade. Por outro lado, as ocupações mais recentes se concentraram em áreas muito pobres e violentas. Assim, para que a política de pacificação seja mais focalizada é preciso que sua expansão continue e atinja mais comunidades das zonas norte e oeste da cidade .

O Desafio de Educar Crianças Pobres e Residentes em Áreas Violentas

O domínio do tráfico de drogas em territórios do Rio de Janeiro é um problema que atravessa décadas. Com a entrada das UPPs, alguns desses territórios estão sendo retomados, mas as desigualdades sociais permanecem. Essas desigualdades tendem a persistir até que se consiga oferecer educação de qualidade às crianças residentes nessas áreas, de forma a oferecer igualdade de oportunidades às novas gerações.

Existem dois grandes desafios em ensinar alunos de áreas dominadas pelo tráfico de drogas. O primeiro desafio diz respeito ao fato de que as áreas violentas da cidade são áreas muito pobres. Isso importa para a análise do aprendizado escolar porque a pobreza é fortemente correlacionada com o baixo nível educacional dos chefes de família e a educação dos pais, por sua vez, é uma das variáveis mais importantes para explicar o desenvolvimento escolar das crianças. Como escola e família são fatores complementares na educação de crianças, passa a caber à escola a responsabilidade de compensar a desvantagem que as crianças pobres trazem de casa, oferecendo um ambiente propício para o aprendizado.

Quando analisamos as escolas em áreas dominadas pelo tráfico, encontramos o segundo desafio. A rotina violenta destes locais dificulta o funcionamento das escolas e acaba comprometendo ainda mais o aprendizado. Essa é a conclusão do estudo Disputas entre Facções de Drogas e Desempenho Escolar, elaborado por mim e pelo Rudi Rocha, professor de economia da UFRJ. O estudo investiga como a violência associada ao tráfico de drogas afeta o aprendizado nas escolas municipais do Rio de Janeiro que ficam localizadas próximas às áreas de conflito. Nós encontramos que os alunos pontuam menos na Prova Brasil de matemática em anos em que há muitos tiroteios durante o período letivo, o que indica que os alunos das escolas expostas à violência estão aprendendo menos. Essa redução de aprendizado é, em média, pequena – as notas diminuem 1% – mas é acentuada em escolas que enfrentam muitos dias de tiroteio e estão localizadas dentro de favelas.

O método empregado no estudo permite afirmar que a violência adiciona dificuldades ao já difícil processo de ensinar crianças em desvantagem social. Que dificuldades extras são essas? Nós encontramos evidências de que os tiroteios geram uma ruptura da rotina escolar. Em escolas próximas a favelas que sofreram com tiroteios que duraram mais de uma semana, a falta de professores aumentou em 30%, a rotatividade de diretores foi maior (aumento de 35% no percentual de diretores que está há menos de dois anos no cargo) e houve uma maior interrupção de aulas durante o ano letivo (aumento de 92% de chance de o diretor declarar que houve interrupção de aulas). É possível ainda que a violência afete os alunos de outras formas, como por exemplo, gerando traumas psicológicos e afetando seu comportamento, mas não possuímos medidas para avaliar essas dimensões.

Quais as implicações desse estudo para a análise que tenho feito sobre as UPPs? Ele indica que a instalação de UPPs deve provocar um aumento direto de aprendizado nas escolas, visto que ela reduz acentuadamente os tiroteios nas áreas ocupadas. Isso é exatamente o que reportagens que acompanham os indicadores escolares das escolas próximas às áreas ocupadas têm apontado, mas eu ainda não conheço um estudo que mostre esse impacto de forma sistemática.  Isso quer dizer que as UPPs vão resolver o problema da educação nessas áreas? Não. A política de pacificação apenas remove um grande obstáculo que existia ao funcionamento das escolas nessas áreas. O enorme desafio de educar crianças em desvantagem social permanece.

Nesse contexto, é preciso criar escolas-modelo capazes de lidar com essas adversidades sociais. Esse diagnóstico já é conhecido pela Secretaria Municipal do Rio de Janeiro desde 2009, quando a instituição criou o programa Escolas do Amanhã. Trata-se de um novo modelo para 155 escolas do Rio de Janeiro, localizadas em áreas conflagradas ou recém-pacificadas. Entre outras coisas, o programa busca oferecer ensino em tempo integral, com contraturno reforçado com foco e atividades acadêmicas. Há evidências sugestivas de que o programa tem apresentado resultados. Os dados da Secretaria informam que entre 2008 e 2012, a evasão escolar nas Escolas do Amanhã apresentou uma redução de 26,5%, contra 21,2% na rede municipal.  Mas é preciso ainda comparar o desempenho das Escolas do Amanhã com os resultados de um conjunto de escolas que atendem alunos de perfil similar para termos indicações dos resultados dessas intervenções e para poder aprimorá-las. Por enquanto, temos apenas a evidência de que removemos o primeiro obstáculo para oferecer melhores oportunidades para as crianças residentes em áreas violentas.

Insegurança nas ruas do Rio de Janeiro

Você está com a impressão de que as ruas do Rio de repente ficaram mais inseguras? Infelizmente não é apenas impressão. Os dados de criminalidade de 2013 divulgados recentemente pelo Instituto de Segurança Pública revelam um forte aumento no número de roubos no estado do Rio de Janeiro no ano passado.

O Gráfico 1 mostra como a taxa de crimes ao patrimônio por 100 mil habitantes evoluiu no estado do Rio de Janeiro nos últimos sete anos. Compara-se os números da capital com os da região metropolitana (excluindo a capital) e os de outros municípios do estado. Crimes ao patrimônio incluem roubos ao comércio, residência, veículo, carga, transeunte, banco, caixa eletrônico, roubo em coletivo, roubo com condução à saque, furto de veículos, sequestro, extorsão, sequestro relâmpago e estelionato.

Gráfico 1 – Taxa de crimes ao patrimônio em regiões do estado do Rio de Janeiro Fonte: Instituto de Segurança Pública. Elaboração própria.

Fonte dos dados: Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro. Elaboração própria.

Observa-se que em 2013 houve uma reversão da trajetória de queda de crimes ao patrimônio que vinha ocorrendo desde o segundo semestre de 2009 na capital do Rio de Janeiro. No segundo semestre de 2013, foram feitos aproximadamente 45 mil registros de crimes desta categoria, o que representa uma taxa de 700 registros por 100 mil habitantes e equivale a um aumento de 21% em relação ao mesmo período de 2012. Entretanto, o nível atual ainda está abaixo da média semestral de 805 incidências por 100 mil habitantes que prevalecia em 2007 e 2008, período antes da instalação das UPPs. Já na região metropolitana, o segundo semestre de 2013 apresentou uma taxa de 555 ocorrências de crimes ao patrimônio por 100 mil habitantes, o que representa um aumento de 31% em um ano ou de 23% em relação à média de 2007-2008.

Quais os crimes ao patrimônio que mais têm subido? O Gráfico 2 mostra a expansão dos roubos de rua, que responderam por 70% do crescimento de crimes ao patrimônio no município do Rio. Em algumas delegacias em particular, o aumento de roubos de rua foi muito expressivo. Entre 2012 e 2013, o número de registro mais que dobrou nas seguintes delegacias de polícia (DP) do município do Rio: DP 16 (que cobre os bairros da Barra da Tijuca, Itanhangá e Joá), DP 9 (Catete, Cosme Velho, Flamengo, Glória e Laranjeiras), DP 41 (Santa Teresa), DP 10 (Botafogo, Humaitá e Urca), DP 32 (Anil, Cidade de Deus, Curicica, Gardênia Azul, Jacarepaguá e Taquara), DP 7 (Freguesia, Pechincha e Tanque), e DP 17 (Caju, Mangueira, São Cristóvão e Vasco da Gama).

Na região metropolitana, o aumento de crimes ao patrimônio também é puxado pelo aumento de roubos de rua, seguido pelo aumento de roubos de carro, que juntos explicam a quase totalidade (87%) do aumento de ocorrências de crimes ao patrimônio. Algumas delegacias se destacam pelo aumento de mais de 60% nos registros de roubos de rua: DP 54 (Belford Roxo), DP 62 (Duque de Caxias), DP 64 (São João de Meriti),  DP 75 (São Gonçalo),  DP 79 (Niteroí) e DP 71 (Itaboraí).

Gráfico 2 – Roubos de rua por 100 mil habitantes no estado do Rio de JaneiroFonte dos dados: Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro. Elaboração própria.

Fonte dos dados: Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro. Elaboração própria.

Será possível interpretar esses aumentos como um efeito negativo da política de pacificação? Essa análise gráfica não permite chegar a essa conclusão porque o aumento de roubos em 2013 ocorre bem depois do início (fim de 2008) ou da intensificação da política de pacificação (2009-2011). Ao contrário, o que se observa é que conforme a política de pacificação foi sendo intensificada, houve uma redução de roubos de ruas e crimes ao patrimônio na cidade do Rio, que é muito mais acentuada do que nas outras regiões do estado. A indicação de que a política de pacificação contribuiu no curto-prazo para a queda de crimes contra o patrimônio na cidade do Rio de Janeiro é confirmada pelo estudo “Os Efeitos da Pacificação sobre o Crime, a Violência e a Atividade Policial”, dos economistas Claudio Ferraz e Bruno Vaz, que compara os indicadores de criminalidade por delegacia do município do Rio de Janeiro. Eles observaram que as delegacias mais afetadas pela política de pacificação tiveram uma maior redução no registro de roubos entre 2007 e 2012 do que as delegacias que não cobrem favelas pacificadas. O estudo não inclui o ano de 2013, quando houve a reversão da tendência de queda e um aumento de roubos no município do Rio.

Não é possível afirmar, porém, que o aumento de roubos verificado em 2013 não tem nenhuma relação com a política de pacificação, principalmente considerando que essa é a principal política de segurança do estado. Mas o fato desse aumento ser tão recente e bastante pronunciado tanto na capital quanto na região metropolitana sugere que houve alguma outra mudança no fim de 2012 ou no ano de 2013. Eu considero duas hipóteses. A primeira hipótese tem a ver com possíveis mudanças no policiamento ostensivo das ruas, que é algo que reflete diretamente nos roubos de rua. Seria preciso analisar os números de efetivo e distribuição policial para verificar se algo mudou na forma que a polícia aloca os policiais. Infelizmente, esses números não são divulgados pelo Instituto de Segurança Pública. A segunda hipótese é relacionada com a percepção e reação dos criminosos à política de pacificação. É possível que as pessoas envolvidas com o crime tenham mudado sua estratégia após observarem a consolidação da estratégia de pacificação. Esse ponto, entretanto, é mais difícil ainda de ser avaliado, dado que requer informações sobre o comportamento dos criminosos.

Mesmo sem identificar a causa, o aumento recente de roubos no Rio de Janeiro não pode ser ignorado. Na região metropolitana, a taxa atual já atingiu um nível bem superior à média de todo o período analisado. Na cidade do Rio de Janeiro, apesar do aumento recente de crimes ao patrimônio ainda não ter sido suficiente para comprometer os ganhos obtidos nos últimos anos, se o ritmo de crescimento persistir em 2014, a melhora recente pode ficar ameaçada.

A Política de Pacificação enxuga gelo?

Inúmeros “fatos” são citados para sustentar que a política de pacificação apenas enxuga gelo, que incluem argumentos como: (i) a política não acabou com o tráfico de drogas, (ii) ainda ocorrem tiroteios em áreas pacificadas, (iii) ninguém foi preso e os traficantes simplesmente migraram para outras atividades. Em que medida tais argumentos são sustentados por evidências?

A política de pacificação não acabou com o tráfico de drogas

O objetivo da política de pacificação nunca foi acabar com o tráfico de drogas e, em diversas ocasiões, o Secretário de Segurança do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, ressaltou que este seria um objetivo impossível de ser alcançado.[1] Assim, não é surpresa que o tráfico de drogas continue ocorrendo nas favelas pacificadas. Para quem acredita que isso é um absurdo, cabe lembrar que não existe no mundo modelo bem-sucedido de combate ao tráfico. Para quem se interessa pelo assunto, recomendo a reportagem de capa da revista Economist de março de 2009 que afirma que a política mundial de combate ao tráfico de drogas tem sido um enorme fracasso (link).

Então para que servem as UPPs? O principal objetivo da política de pacificação é acabar com o controle territorial armado exercido pelo tráfico de drogas em algumas regiões do estado e com as “guerras” entre facções de drogas. Houve resultados nesse sentido?

A política de pacificação reduziu os confrontos entre as facções de drogas.

A forma mais direta de avaliar se as UPPs diminuíram os confrontos entre os traficantes é comparar a incidência de tiroteios antes e depois da ocupação nas favelas pacificadas. O Gráfico 1 faz essa análise baseada no número de denúncias que mencionam o confronto entre facções de drogas feitas ao Disque-Denúncia. No Gráfico 1, as datas de ocupação foram marcadas como zero e contam-se os meses que precedem e antecedem a ocupação policial. Por exemplo, o número seis no gráfico indica a média de denúncias no sexto mês após a ocupação nas favelas ocupadas. Tal exercício é feito para 34 UPPs.[2] O Gráfico 1 mostra uma clara redução no nível de denúncias nestas localidades. A média de denúncias nos 24 meses que antecederam a ocupação policial era de sete ao mês, tendo o mesmo número passado para uma denúncia em média após a ocupação. Esse gráfico sugere, portanto, que a ocupação policial não acabou totalmente com os confrontos nas áreas pacificadas, mas foi capaz de reduzir o nível acentuadamente.

Gráfico 1 – Incidência de tiroteio antes e após a ocupação nas favelas beneficiadas com UPPs

Fonte: Elaboração própria com base nas denúncias do Disque-Denúncia.

Fonte: Elaboração própria com base nas denúncias do Disque-Denúncia.

Esse gráfico, entretanto, só cobre os dados até setembro de 2013. Vem crescendo o número de reportagens nos jornais que mencionam a ocorrência de tiroteios em áreas pacificadas. Os dados dos últimos meses ainda não foram incorporados e podem alterar esse gráfico. Por isso, em breve retomarei o assunto.

O número de prisões aumentou fortemente na cidade do Rio

O Gráfico 2 mostra a evolução do número de ocorrências relacionadas a prisões. Embora tenha ficado no imaginário popular a imagem de mais de cem traficantes fugindo durante a ocupação do Alemão, os dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) indicam um forte aumento no número de prisões na cidade.

Não é claro, entretanto, em que medida esse aumento de prisões é decorrente da política de pacificação. Se a maior parte das prisões estivesse ocorrendo nas áreas pacificadas, os dados deveriam indicar um maior número de prisões nas delegacias que cobrem áreas pacificadas do que nas delegacias não afetadas por UPPs. Claudio Ferraz e Bruno Vaz fazem essa análise no estudo “Os Efeitos da Pacificação sobre o Crime, a Violência e a Atividade Policial” e não encontram evidência de que delegacias em áreas de UPP têm prendido mais gente.

Mas, na minha opinião, não é óbvio que as prisões deveriam ocorrer nas áreas pacificadas. Como muitos traficantes fogem das áreas pacificadas mesmo antes da ocupação, é natural que suas prisões ocorram em outros locais do município ou do estado. Infelizmente, os dados do ISP não indicam se as prisões estão relacionadas ao tráfico de drogas, o que nos ajudaria a identificar a relação das prisões com as UPPs. De qualquer forma, o Gráfico 2  apresenta evidência clara de que a polícia não está deixando de prender criminosos.

Gráfico 2 – Número de ocorrências de prisões por 100 mil habitantes.

G5.J

Fonte: Elaboração própria com base nas denúncias do Disque-Denúncia.


[2] A análise não inclui as UPPs do Morro Camarista Méier, do Complexo do Lins e da Mangueirinha porque esses locais foram ocupados após outubro de 2013 e a análise vai até fim de agosto de 2013.